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Luto

Eu nunca me imaginei naquela situação. Andava cambaleante, de mãos dadas com aquele pequeno ser que entendia tanto do evento quanto eu. De cabeça baixa, seguia pelo pequeno caminho de paralelepípedos até à calçada em si. Alguém joga um dos braços nos meus ombros, me abraçando. Por um segundo achei que fosse ele, mas não poderia ser. Não tinha como ser. Perco as forças e meus joelhos falham, me levando ao chão. O pequenininho me olha assustado, mas sem largar a minha mão. Ele era tudo o que tinha agora. Entre lágrimas olho para seu pequeno rosto redondo e corado e sorrio. “Tá tudo bem, mamãe?” me pergunta todo preocupado. Não. Não está. “Está sim, meu amorzinho, mamãe só tropeçou num buraco”. Minha vontade era de ficar ali, mas me levantei com a ajuda da pessoa que me abraçava, que agora reconheço ser meu pai.
Minha mãe, que estava logo atrás, pegou o neto no colo e me deu um abraço. Queria desmoronar, mas a mãozinha quente de Emanuel trouxe um acalento a minh’alma.


Nunca gostei de vestir preto.


~*~


Agora a casa parecia muito maior do que dias antes. E silenciosa também. Já não tinha mais o som de qualquer coisa sendo feita, senão os meus próprios passos. Deixo as chaves no aparador e tiro os sapatos. Emanuel corre até o tapete da sala e deita, olhando para o teto.
Mamãe, quando é que o papai volta?
- Emanuel, vem cá com o vovô brincar e conversar um pouco, a mamãe deve estar cansada.
Minha mãe foi preparar um café na cozinha, e me debruço sob o balcão. “Força, minha filha. Força”. Que opção que tenho?
Mãe.. Posso… Passar uns dias, Emanuel e eu.. Na casa de vocês?
Claro, meu amor, é claro! Sempre tem espaço pra vocês lá.
Eu só.. Não vou conseguir viver aqui por agora.
Meu celular toca. 
Ei.. Co.. Como você tá?
Meio zonza e sem saber quem era do outro lado da linha respondo com um murmúrio qualquer. No fundo ouço um choro desconsolado. 
Saiba que.. Você sempre foi e sempre vai ser da família.. Quem sabe nós possamos te visitar.. Amanhã ou depois…?
Agora reconheço a voz.
É claro.. Podem vir quando quiserem. Talvez amanhã mesmo. Não sei se vou ficar por aqui.
Passamos a tarde contigo, pode ser? Vai ser bom pro Emanuel também. A Aninha vai conosco.
Tudo bem.
Se cuida… E sinto muito…
A mesa de centro está com o café posto. Um bolo cheiroso e um café quentinho. Talvez seja isso mesmo o que eu preciso agora. Emanuel vem falando alto do quarto, trazendo consigo um casaco feito pelo pai.
Ele vai gostar de me ver assim quando chegar!
Filho.. Papai.. Papai não vem hoje…
Um silêncio ensurdecedor toma conta da sala, quebrado pelas palavras do meu pai, sentindo a tensão no ar.
Mas agora é hora de comer um pouco, ok? E isso vale para vocês dois - me lançando um olhar carinhoso.
Meus pais tomaram o café conosco e se foram, deixando claro a cada instante que eu poderia ligar a qualquer momento. Não liguei.

Emanuel e eu dormimos abraçados na cama.

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